O termo trauma psicológico tem sido aplicado em tantos contextos por tantas pessoas que se perdeu parte do seu significado original. Frequentemente, o termo trauma é usado para se referir quer a eventos negativos que produzem sofrimento, quer ao próprio sofrimento. Tecnicamente, “trauma” refere-se apenas ao evento, não à reação pós-trauma, e deve ser reservado para eventos importantes que são psicologicamente avassaladores para um indivíduo (Briere & Scott, 2015).
O conceito de trauma psicológico poderá ser entendido, na sua generalidade, como uma resposta emocional a um acontecimento traumático, como por exemplo uma morte violenta, exposição ao combate, acidente grave, violação ou desastre natural, que abalou de tal forma o indivíduo que provocou modificações consideráveis no seu modo de funcionamento psíquico (Pereira, 2012).
O trauma psicológico é um tipo de dano emocional que ocorre após um acontecimento traumático, mas também psicologicamente significativo, como por exemplo estar numa situação ameaçadora, humilhação, abuso mental, perda de familiar próximo e significativo ou ver algo terrível a acontecer a outra pessoa. Imediatamente após o evento, choque e negação são respostas típicas. As reações a longo prazo incluem dificuldade na gestão emocional, flashbacks, relacionamentos tensos e até sintomas físicos, como dores de cabeça ou náusea. Embora estas respostas sejam normais, algumas pessoas têm dificuldade em seguir em frente com as suas vidas (APA, 2019).
O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 5ª edição – DSM 5 (APA, 2014) define trauma psicológico como uma experiência de exposição a um episódio concreto de morte ou ameaça de morte, lesão grave ou violência sexual. Estes eventos podem ter sido experimentados pela pessoa diretamente, testemunhados diretamente, ou ter sido confrontada com uma notícia que um destes eventos que envolveram morte real, ameaça de morte ou lesão grave ocorreu com uma pessoa próxima significativa. O novo critério de diagnóstico do trauma psicológico neste manual inclui exposições repetidas a eventos traumáticos ou a detalhes aversivos dos eventos traumáticos (por exemplo, socorristas na recolha de restos humanos, polícias expostos repetidamente a detalhes de abuso de crianças).
Para a consideração do trauma psicológico no ICD-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Organização Mundial de Saúde, 2016), no sentido da PSPT, é transmitido um conceito diferente, designadamente: exposição a situação ou acontecimento “de natureza excecionalmente assustadora ou catastrófica, que seria suposto causar angústia global na maior parte das pessoas”.
Embora estas definições sejam úteis, muitos autores contestam estes critérios de diagnóstico (categorial) por serem limitados à “exposição a episódio concreto de morte ou ameaça de morte, lesão grave ou violência sexual”, uma vez que muitos eventos “stressantes” podem ser traumáticos mesmo em situações em que a ameaça de vida ou de lesão possam não estar presentes.
Nas características diagnósticas do DSM 5 podemos verificar que os eventos “muito stressantes” não são considerados como sendo eventos traumáticos. Incluindo o abuso emocional extremo, perdas ou separações significativas, degradação ou humilhação, coerção (não física ou violenta), experiências sexuais – subestimando indubitavelmente a extensão do trauma psicológico na população geral.
Por outro lado, ao não considerar o diagnóstico dimensional (i.e., significado do evento para a pessoa) também vem dificultar a avaliação e diagnóstico de uma perturbação de stress em indivíduos que experimentaram perturbações pós-traumáticas, uma vez que o critério A é um pré-requisito para a PSPT e Perturbação Aguda de Stress.
Em Psicologia, torna-se relevante compreender-se o trauma psicológico como algo que tem origem no exterior, num acontecimento externo, mas que tem repercussões a nível interno ao nível do funcionamento psíquico.
No cérebro humano, as alterações decorrentes do trauma nada mais são do que uma tentativa de resposta adaptativa à nova ordem imposta por eventos que desestruturam os Esquemas Cognitivos (i.e., conjunto de crenças, regras e pressupostos que regem o nosso modo de ver e interpretar o mundo, e a nós mesmos). A repercussão é sentida não apenas na estrutura neural, mas também tem os seus efeitos funcionais, nas cognições formadas a partir do evento traumático, nas impressões afetivas, nos comportamentos e nas reações fisiológicas.
Apesar das diferentes características e natureza dos acontecimentos traumáticos, é importante reter que a subjetividade do indivíduo e a sua vulnerabilidade para o trauma psicológico contribuem e marcam significativamente a perceção e vivência de um acontecimento enquanto traumático.
“Um acontecimento é traumático quando o indivíduo sente que não possui capacidades ou recursos pessoais e/ou sociais para lidar com o mesmo, conduzindo-o a uma reação de stress intenso, mal-estar significativo e disfuncionalidade.”
In Milton, A. (no prelo). Luto e Crescimento Pós-Traumático. In M. Paulino, S. Gabriel & T. Baptista (Eds.), Intervenção Psicológica no Luto. Lisboa: Pactor
Ariel Milton
Psicólogo Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde
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