Desde o início dos tempos que o homem estabelece rituais, que submetem os adolescentes a marcos de passagem para a vida adulta. Vários filmes fantasiam o assunto, inclusive a série do “Divergente” baseada nos romances da autora americana Veronica Roth. O divergente relata uma sociedade onde a população está dividida em cinco grandes grupos, chamados de “fações”, baseados em qualidades morais empregadas nas funções de cada uma para o funcionamento do sistema: Abnegação, Amizade, Audácia, Franqueza e Erudição. Aos 16 anos, todos os jovens são chamados a integrar a fração correspondente aos seus traços de personalidade. Na nossa sociedade, o sistema de orientação vocacional tenta conduzir cada jovem para a sua apetência natural esperando que cumpra perante ele e a sociedade o seu papel.
Os rituais de passagem para a vida adulta têm sido estudados há décadas por sociólogos e antropólogos culturais. Estes rituais tinham função dar forma e organização à vida das pessoas, às suas relações interpessoais e aos seus valores morais. Teriam quase um fim condutor que demarcasse que a infância acabou e que, a partir daquele momento ritualizado perante toda a sua sociedade, assumiriam as suas responsabilidades. Concedem assim, autoridade e legitimidade aos indivíduos, bem como um sentido à passagem da adolescência à adultos. Ao longo da evolução da nossa sociedade estes rituais iniciáticos praticamente esbateram-se. Entramos num eterno síndroma de Peter Pan (caracteriza-se pela grande dificuldade do indivíduo se ver como um adulto eternizando os comportamentos e atitudes de criança).
Para muitos rapazes portugueses o cumprimento do serviço militar obrigatório (até 2004) era a linha que separava o jovem do adulto, a criança do homem. Para as raparigas era o casamento a linha que separava a criança da mulher. Era comum os jovens trabalharem essencialmente no verão o que lhes trazia autonomia e alguma independência económica.
Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades e, após 2004 o serviço militar deixou de ser obrigatório. A escolaridade obrigatória foi subindo de patamar até a obrigatoriedade do 12º ano dos nossos dias. A taxa de analfabetismo foi diminuindo. Desde 2004 até o dia de hoje “canalizou-se” grande parte dos alunos para o ensino universitário em detrimento do ensino profissional. Multiplicaram-se os cursos superiores e mais ou menos a partir do ano 2000, começa a sentir-se dificuldade em conseguir-se o primeiro emprego. A “saída” da casa dos pais começa a ser cada vez mais tardia. Os trabalhos de verão começam a ser proibidos por causa da escolaridade obrigatória. Os nossos jovens começam a ser cada vez mais “infantilizados”, menos autónomos e autossuficientes. Hoje em dia, é comum os encarregados de educação acompanharem os filhos no primeiro dia de aulas na universidade. Muitos jovens nunca arrumaram o seu espaço, nunca cozinharam, ou afins. Os adultos “tratam” de tudo. Os adultos tratam das “coisas” de casa e tratam das coisas da escola. Os adultos transportam os “meninos” de um lado para o outro… Quando é que nós adultos vamos ajudar realmente os nossos meninos tornarem-se adultos? Quando os vamos empurrar para “fora do ninho”? Aos 30 anos? Aos 40 anos?
Superproteção não faz de ninguém um adulto equilibrado e forte. Superproteção cria alter egos inflamados, frágeis e desestruturados. O mundo não gira, nem girará à nossa volta. Quanto mais cedo entendermos esta verdade mais cedo lutamos por quem queremos ser.
Há que ter bom senso na educação das nossas crianças e jovens e se queremos ter futuros adultos equilibrados, trabalhadores e independentes temos de capacitar aos poucos os nossos pequenos príncipes e princesas. Há que incentivar à arrumação dos seus espaços, aos trabalhos de verão que tanto ensinam acerca da nossa responsabilidade e capacidades.
Nós adultos, pais e mães temos de entender que, tal como nós voamos para fora do ninho também os nossos filhos seguirão o seu caminho. E isso é bom. Significa que cumprimos o nosso papel de progenitores que é de criar adultos para este mundo. Eles vão … eles voltam. E se eles forem autónomos, desenrascados sabemos que fizemos tudo certo.
2019
Márcia Abreu Carrola
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Psicóloga Clínica. Mestre em Psicologia