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Todos nós ouvimos falar de “personalidade” no nosso dia-a-dia, e há algumas expressões que já nos passaram pelos ouvidos – “aquela pessoa tem uma personalidade muito forte!”, “tens cá um feitio!”, “aquela pessoa é de mau temperamento!”. Nada disto é necessariamente patológico, e todos nós nos definimos por algumas “formas de ser” idiossincráticas e pela forma típica como geralmente agimos em determinadas situações. É como se a nossa personalidade estivesse colada à nossa identidade. Os traços de personalidade, componentes da nossa personalidade una, organizam a nossa estrutura ao longo da vida, e têm impacto na forma como vivenciamos as relações que estabelecemos com os outros, na forma como lidamos com a escola e/ou com o trabalho, etc.

Já a Perturbação de Personalidade consiste num padrão duradouro de formas de pensar, sentir e agir, que tendem a ser rígidas e inflexíveis, e que se desviam das expetativas da cultura do indivíduo; essas crenças muito fortes e duradouras são geralmente difíceis de flexibilizar em terapia. Estas perturbações têm o seu início, regra geral, durante a adolescência ou início da idade adulta, sendo estáveis durante o tempo, e levando a distress (aflição) e comprometendo o funcionamento do indivíduo, o que tem um impacto negativo na sua vida e nos dos que o rodeiam – quer, por exemplo, ao nível do funcionamento social (podendo conduzir, por exemplo, ao isolamento social, incapacidade de estabelecer e/ou manter relações próximas com os outros, comportamentos exagerados de “apego” no relacionamento com os outros) e ocupacional (por exemplo, a atividade profissional começa a sofrer as consequências deste tipo de funcionamento).

Geralmente, a configuração “patológica” de traços de personalidade que a pessoa apresenta tem um “porquê” para se ir assim estruturando ao longo da sua vida, muitas vezes remontando ao seu passado longínquo – a pessoa, no passado, teve de ser assim para que de alguma forma conseguisse sobreviver psicologicamente. Porém, quando num determinado momento há a necessidade que essa estrutura se adapte aos outros e ao mundo, a pessoa pode não ter a flexibilidade suficiente para o fazer – o caminho já é outro, e a pessoa ficou com um mapa desatualizado, que já não funciona: se continuar a insistir nesse caminho, vai continuar a perder-se. Há, por vezes, uma incapacidade de estar no presente, porque se funciona muito em termos de vivências do passado.

Curiosamente, e ao contrário da maioria das outras perturbações, as pessoas com perturbações de personalidade não têm, geralmente, consciência de que os seus padrões comportamentais ou de pensamento são desadequados; muitas vezes, são as pessoas que as rodeiam que mais facilmente denotam isso, dado que o seu comportamento desadequado pode causar dificuldades aos outros. Muitas vezes, as pessoas com perturbações de personalidade acabam por procurar lidar com as suas emoções e sofrimento através de estratégias desadaptativas, como é o caso do consumo de substâncias (como o álcool, drogas ou excesso de medicação), padrões desregulados no relacionamento com os outros (excessivo isolamento ou excessiva proximidade), comportamentos auto-lesivos, rituais compulsivos, formas de comunicação agressivas ou manipuladoras, entre outros.

Alguns estudos apontam para uma prevalência de 11% a 23% de Perturbações de Personalidade na população geral, existindo vários subtipos específicos, como o são a Paranóide, Esquizóide, Esquizotípica, Anti-Social, Borderline (estado-limite), Histriónica, Narcísica, Evitante, Dependente e Obsessivo-Compulsiva. A extensão das suas implicações, assim como o sofrimento implicado para o próprio e para os que o rodeiam, merece atenção clínica em termos da necessidade do cuidado da saúde mental.